Caminhos da Minha Vida (Macau/RN – Ano de 1939)

Prelúdio de Renan Ribeiro de Araújo

Prosseguindo no seu Caderno de Memórias, que compartilho com vocês todas as segundas-feiras, o ex-deputado, líder operário-camponês Floriano Bezerra de Araújo hoje remonta aos idos de 1939, ano em que, na Bahia, foi descoberto o primeiro poço de petróleo no Brasil; no Rio de Janeiro foi feita a primeira demonstração de televisão e o Presidente Getúlio Vargas assinou decreto criando o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). A nível internacional, iniciou a Segunda Guerra Mundial; Francisco Franco assumiu o poder na Espanha e o personagem Batman fez sua estreia na revista norte-americana Detective Comics. Nesse contexto, o menino Floriano dava seus primeiros passos de trabalho, independência e interação com a comunidade de Macau. Vejam:

CAMINHOS DA MINHA VIDA
(Macau/RN – Ano de 1939)

– Minha mente traz clareza que naqueles dias da minha vida, fui acometido de febre tifoide, da qual com vinte e oito dias apenas arquejava. Era abril. Papai, no Mercado Público Municipal, falava a um conhecido da minha situação. O cidadão dissera então: “Seu Venâncio vá ali ao quarto (bodega) de Seu Adalberto Mendonça, homeopata, que é bem capaz de curar seu filho”. Papai foi direto a Seu Adalberto, pedindo-lhe para ir lá em casa ver-me como estava. Venâncio, cinco horas da manhã tenho que ir ao para-raios verificar o resultado. Na volta passarei na sua casa na João Crisóstomo, n.º 18. Aguarde-me, respondeu.

Menos de seis horas papai já o esperava. Seu Adalberto chegou. Entraram para Seu Adalberto olhar a minha situação de paciente da febre horrorosa. Botou dois dedos juntos na minha barriga batendo com dois da mão direita, o tom era de zabumba. Venâncio tem pote de gelar água aqui, Perguntou. Temos, e está cheio. Então me traga uma lata de vinte litros, cheia; que se você quiser curar o garoto, eu boto logo meia e em seguida a outra metade. E veremos. Caso não morra logo com o choque térmico, acabarei de curá-lo com Homeopatia em glóbulos alternados do Dr. Hahnemann. Aceita, Perguntou?

Papai se entendeu com mamãe. Autorizaram o tratamento aventuroso. Na primeira metade da água gelada, subiu um vapor enorme. Meu corpo saltou pra cima no fundo da rede; Seguiu-se a outra metade da lata. Lembro que mal ouvi Seu Adalberto dizer pra meus pais: Não vai morrer. Agora você vai comigo para trazer o primeiro tratamento, que terminado, você traz o final. Tenho boa lembrança que fazia vinte e oito dias que eu estava febril, e o tratamento nas duas etapas, durou quarenta e oito dias.

– Seu Adalberto tinha estatura de 1,58m, um pouco gordo; voz forte e grossa. Olhou pra papai, e disse: o garoto está curado, Venâncio. Até depois. Saiu pra casa. Depois do café, papai me perguntou se já sentia ânimo para fazer algum trabalho. Sim, Respondi. Vá procurar o que der certo. Ora, ora, fui vender cocorote, cocada, suspiro, sonho de noiva e puxa-puxa de Dona Antônia Pixuí, que morava na Rua Padre João Maria, n.º 417. Esse trabalho era na parte da tarde. Eu ganhava vinte por cento sobra as vendas.

– Cedinho da manhã, passei a botar água em calão de duas latas grandes, nas casas da população, ou que me pedissem. Ganhava algum dinheiro. Eu era diligente, ativo e tinha bom gogó. Fazia a arte de um camelô quase perfeito. Gritava alto, agradava as pessoas que me ouviam. Ainda me lembro que no Tanque da Prefeitura, o despachante era o Senhor José Gonçalves de Lima (Zé Baiaca). Ele fumava cigarro 40, um após outro. Aturdido com o povo querendo água dava pena vê-lo às raias do desespero.

– Enquanto eu, por várias vezes, tive que me defender de calão na mão, dos agressores gratuitos. As querelas eram renhidas. Nas filas ninguém tomava o meu lugar, mesmo que o pau rolasse e os galos cantassem.

– Assim, fui construindo a minha vida….

(Na foto, Floriano Bezerra de Araújo com José Ribamar dos Santos – Zé de Damiana, seu amigo e companheiro de lutas emancipatórias)