Prelúdio de Renan Ribeiro de Araújo
De 1942 para cá, transcorreu um longo pós-guerra chamado de guerra fria ou confronto ideológico capitalismo x comunismo, com corrida armamentista em escala mundial. Naquele tempo, o gelo que cobre 10% da área da Terra – 90% concentrado na Antártica – ainda não sentia os efeitos deletérios do aquecimento global. A corrida espacial era projeto ainda no papel, e não se ouvia falar em lixo desse tipo nem em degelo. Revolução cibernética e internet eram ficção. As nascentes, córregos, lagos, rios e mares ainda não estavam sufocados pela poluição da era do consumismo desenfreado. Em Macau, nesse tempo, durante dois anos, o adolescente Floriano sobreviveu ajudando na renda da família, trabalhando na pesca artesanal. Enfim, vejam a seguir o texto que neste 2 de maio de 2016 o ex-deputado, líder operário-camponês Floriano Bezerra de Araújo publica no seu Caderno de Memórias.
MACAU/RN – FEVEREIRO – ANO 1942
– Fazia mais de ano que eu vivia de pescaria de tarrafa mais José meu irmão. Uma noite fomos pescar na Praia do Camapum, agulhas brancas e tainhas grandes e gordas no reponte da maré. Duas horas da manhã, já em casa, começamos a tratar o peixe; do qual botaríamos um pouco para cozinhar e saciar a nossa fome. A noite era de escuro e, por isso, estávamos de piraca acesa quando o Sr. João Wanderley (Joca Wanderley) usou apito de quarteirão três vezes seguidas, bateu na porta mandando apagar a piraca, porque aviões nazistas poderiam bombardear a cidade a qualquer momento.
Apagamos o facho e deitamos no chão. A nossa fome ficou para depois. Seis horas estávamos com tainhas e agulhas no mercado do peixe, que, vendido voltamos à casa. Aí é que comemos agulha assada na grelha em fogo de trempe, com farinha de mandioca e café quente, o que achamos bom e gostoso.
– Só adiante no tempo é que a cidade soube que o apagão foi uma simulação de guerra orientada dos americanos da base aérea de Parnamirim na Capital do Estado.
– Joca Wanderley, natural do Assú, exercia o cargo de tesoureiro da Prefeitura Municipal de Macau, na Administração do Sr. João Fernandes de Melo no chamado Estado Novo do Presidente Getúlio Vargas.
O Sr. João Soares de Araújo, migrado do Assú, desempenhava o cargo de Secretário da Prefeitura de Macau. O Prefeito João Melo, exercia poderes ditatoriais. Fazia na cidade o que lhe dava na telha. Dividiu o burgo salineiro em quatro quarteirões, escolheu auxiliares de sua confiança e deu as ordens para o apagão que tantos sofrimentos ocasionou à população do trabalho nas diversas profissões.
– Minha lembrança dita que comprei coentro e quatrocentos reis de banha de porco na bodega do Sr. José Gomes Barbosa, na Deodoro, esquina com o beco que levava à João Crisóstomo. Após um sono profundo, depois do almoço de tainhas gordas tão bem condimentadas do jeito que mamãe fez não esqueci mais nunca!
Foi naqueles dias, mês e ano que eu mais José, fizemos as melhores pescarias de tamataranas dotadas de sensores aurifulgentes.
Lembro do dia que papai me chamou e disse: Vou viajar para o Amazonas. De amanhã em diante você não vai pescar, vai ajudar Afonso Solino no comércio da Panificação dele. Querubina fica recebendo por semana oito mil e quatrocentos reis, e sabe como fazer. José vai comigo. Chorei muito com o circunstancial. Papai e meu irmão me deixaram um triste sentimento de orfandade dos dois pelo tempo da viagem. Oh! Hoje são minhas saudades.
– Nunca esqueci das minhas tamataranas deslizando no espelho das águas no pontal do Alagamar, no reponte das marés. Navegavam orientadas pelos seus sensores multifulgentes de cada lado do dorso.
Foi na Biologia Marinha que encontrei o signo de tanta sabedoria e beleza do lindoso peixe tão veloz.
– Na vida, aprendi que quem ler aprende alguma coisa.
(Na foto, Floriano Bezerra de Araújo com ilustre representação feminina da família Lucas de Miranda, por ocasião da noite de autógrafos no lançamento do seu livro Minhas Tamataranas: Linhas Amarelas – Memórias em 2009)