Prelúdio de Renan Ribeiro de Araújo
As vívidas reminiscências do ex-deputado, líder operário-camponês Floriano Bezerra de Araújo, vem a conhecimento do público hodierno através do seu Caderno de Memórias, cujas páginas compartilho com vocês todas as segundas-feiras. Vejam o texto de hoje, 27 de junho de 2016:
DE SAUDADE TAMBÉM SE VIVE
– Nascido em 1927, só conheci o meu avô paterno Zacarias Antônio de Araújo, aos nove anos de idade. Daí em diante fui o neto da sua predileção, da maior confiança para fazer as coisas que lhe batiam à telha. Ah, quanto me alegrava fazer os seus mandados ou pedidos. Sim. Eu os fazia por cima de pau e pedra. Eu vibrava de alegria quando me chamava para acompanha-lo nas idas à Ribeira do Rio Açu.
– Recordo. Em 1940, o inverno rigoroso, faltou farinha de mandioca na Floresta e nas bodegas do Sacramento, atual Ipanguaçu, até Pendências. Meu avô Papaicaria soube que o cigano João Garcia, no Buraco D’água, ainda tinha farinha para vender. Mandou-me botar cangalha no jumento moreno. Botou a cela no cavalo Pingoró, viajamos ao Buraco D’água na Ribeira. Lá chegando, fomos ao barracão do cigano. Na porta de entrada da bodega, foi vendo Papaicaria, indagou: como vai Zacarias? Vou bem. Respondeu meu avô. E você? Estou bem, Respondeu o cigano.
Quero comprar farinha, disse meu avô. Olhe Zacarias, minha farinha está no fundo do saco, só posso lhe vender cinco litros, Respondeu. Nem meio saco? Perguntou. Não. Só os cinco litros. Respondeu. Papaicaria disse: É. Eu quero a farinha. Recebeu e pagou. Na saída, meu avô perguntou: João, tem ido a Santana do Matos? Daqui a noventa dias vou pra lá, respondeu. E disse mais o cigano: vou juntar o meu grupo e viajar por aí até Natal, onde, organizados, então viajaremos para o Rio Grande do Sul, onde há raízes dos Garcia, meu grupo cigano.
– Na íris da memória aqui me lembro, Papaicaria começou abrir os furas para definir os limites do Sítio Floresta, mas o serviço não avançava. Resolveu contratar trabalhadores para fazê-lo. Pediu-me ajudá-lo no trabalho, no controle dos cabaços d´água, rapadura, queijo de qualho e batata doce assada. O verão apenas começava, em cujo tempo os furas teriam que estar feitos, para só então requerer ao Estado (RN), a demarcação da propriedade e suas dimensões em hectares. Aí, certo dia, bem me lembro, chegou no Sítio Floresta o Agrimensor Estadual, Dr. Francisco Gorgônio da Nóbrega, caicoense, que em duas semanas conseguiu fazer os trabalhos técnicos da sua obrigação, constatando que o Sítio Floresta (Fazenda Floresta) tinha 584 hectares quadrados, na modalidade agronômica que vigorava à época.
– Trago na memória que Mãemaria, minha avó, mandava-me chamar Papaicaria do cimo do passadiço do cercado, para almoçar. Então, lá eu gritava: Papaicaria, Mãemaria tá chamando para o almoço! Lá do fundo do roçado, meu avô levantava o grande chapéu de couro da cabeça, dizendo: Ó que palavras doces. E baixava o chapéu.
– Ah! De saudade também se vive…
(Nessa foto de 1954, o líder sindical Floriano Bezerra de Araújo, com impecável paletó de casimira inglesa, comprado no Rio de Janeiro, fala ao povo de Macau em sua primeira candidatura a deputado estadual, na qual conquistou a 1ª Suplência e teve a honra de assumir o mandato por 30 dias. Essa foi a primeira legislatura de mais duas outras que Floriano venceu de forma integral, até o golpe empresarial-militar de 1964, que cassou seu mandato e suspendeu seus direitos políticos por 18 anos)